Deviam ser cerca de 4 da tarde quando entrei na igreja para substituir um colega. Desde manhã que lá estávamos alternadamente para impor as cinzas a todos aqueles que entravavam. Num dos últimos bancos estavam sentadas duas adolescentes que conversavam baixinho uma com a outra e olhavam curiosamente para aqueles que iam entrando e saindo. A determinada altura, levantaram-se e dirigiram-se a mim, em frente ao altar. Quando eu me preparava para lhes impor as cinzas como a todos os outros, uma delas adiantou-se, pediu-me para não o fazer e para lhes explicar o significado daquele gesto. Quando terminei, agradeceram e regressaram ao lugar. Alguns minutos depois, voltaram e pediram que eu lhes impusesse as cinzas também a elas. Ao terminar dei-lhes os parabéns pelo que tinham feito e mais ainda pela forma consciente como o tinham desejado fazer. Mais do que em Portugal, por aqui a Quarta-feira de cinzas parece ser um dos dias que mais pessoas traz às igrejas. Muito mais do que no Natal, por exemplo. Em vez das 40/50 caras do costume, a Igreja estava literalmente a abarrotar, talvez com mais de 300 pessoas. St Andrew não é uma paróquia grande, se olharmos para o número daqueles que diariamente a frequentam. Na sua maioria são pessoas que trabalham nos escritórios e tribunais do bairro onde está situada, chamado Civic Center, em Downtown, Manhattan. As celebrações durante a semana são à hora de almoço: 12h10 e 13h05. Parecem horários esquisitos mas têm como única intenção coincidir com a disponibilidade das pessoas. Mas ontem foi de facto um dia diferente. Para além das que participaram nas duas Eucaristias, largas centenas de pessoas entraram, receberam as cinzas, rezaram durante alguns minutos e voltaram a sair.
Como é óbvio podemos “ler” esta enchente a partir das mais variadas teorias: superstição, tradição, medo causado pela grave crise económica que continua a deixar milhões de pessoas sem emprego e muitas mais receosas de o perder a qualquer instante, “estigma” daquele inesquecível dia 11 de Setembro de 2001 em que toda aquela zona ficou debaixo do manto de CINZAS em que as Twin Towers se transformaram.
Eu, ao fim do dia, pensei: e porque não admitir que Deus se pode servir das mais variadas formas para tocar os corações e os trazer um pouco para mais perto?? E se só voltarem daqui a um ano?? Bom, acho que cá estaremos para as receber novamente.






