terça-feira, 17 de março de 2009

Ground Zero



Ao longo dos anos, Wall Street estendeu-se pelos quarteirões mais próximos e pouco a pouco foi-se formando aquilo que é hoje conhecido como o Financial District. O seu ex-libris era o World Trade Center com as Twin Towers. Desde os atentados de 11 de Setembro que Downtown Manhattan não é a mesma, nem nunca mais será. Hoje já não se fala abertamente do sucedido e quem chega não tem coragem de abordar directamente o assunto, ainda que a curiosidade deseje sempre saber algo mais. Mesmo assim, de vez em quando, ouvem-se, quer na primeira quer na terceira pessoa, curtas partilhas do sucedido: "Eu estava num prédio próximo e vi o segundo avião embater"; "Eu sobrevivi porque me refugiei debaixo de uma automóvel estacionado"; "Eu passei largas semanas a celebrar as exéquias dos pedaços de corpos que iam sendo retirados dos escombros", dizia um sacerdote. O tempo conta-se em antes e depois de 9/11/2001.
Enquanto as cicatrizes do coração não desvanecem, centenas de pessoas trabalham para dar novamente vida àquele espaço. Os projectos são vários e arrojados, entre os quais se destacam um museu, um nova torre para centro financeiro e, principalmente, o memorial dos que faleceram no atentado. Este último deverá estar pronto para ser inaugurado no décimo aniversário do ataque, daqui a dois anos e meio.
Desde a primeira vez que lá fui, procurei não ver naquele buraco, actualmente cheio de gruas e andaimes, nem a inevitável consequência da política imperialista americana, nem a expressão do oculto poder das trevas, mas tão somente o resultado bem visível de uma catástrofe que destruiu vidas, muitas vidas, como a minha ou a de qualquer outra pessoa. Querer ver o mundo a preto e branco, colocando as vítimas/bons de um lado e os culpados/maus de outro, é a atitude daqueles que teimam em não perceber que a história dos homens foi, é e sempre será feita de um entrelaçado muito difícil de distinguir.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Trinity Church









Quando pensamos em Wall Street, podemos imaginar muita coisa, mas sinceramente não creio que alguma das primeiras esteja relacionada com religião, Igreja ou Deus. Pois bem: para quem não sabia ainda (eu, por exemplo!), as pessoas que lá trabalham só não rezam se não quiserem, pois têm uma igreja mesmo a dois passos!! É curioso mas ainda ontem, num tribunal aqui bem perto, aquele que foi durante anos considerado o melhor exemplo do bem sucedido "Wall Street man", o pai do NASDAQ stock exchange, Bernard Madoff, foi condenado à prisão. Como alguém por aqui dizia: de uma casa de 4 milhões, passou para um quarto de 4 por 4!! Outras histórias, outras vidas...
Trinity Church é uma Igreja presbiteriana. Eis algumas datas importantes da sua história:
1697: Rei William de Inglaterra concede carta régia à Igreja.
1698: Trinity Church abre pela primeira vez ao culto.
1703: tem inicio a catequese dominical (Sunday school) para escravos sul americanos e africanos.
1705: Rainha Anne de Inglaterra faz-lhe doação de largos hectares de terreno em redor da Igreja.
1846: consagração da actual igreja, depois de incêndios e destruições várias da primitiva.
1976: Rainha Elisabeth II visita a Igreja.
Principalmente devido à generosa doação régia de que foi alvo, Trinity Wall Street possui ainda hoje um património imobiliário e riquezas várias dignas de registo. Não estivesse ela situada na rua em que está, não é verdade??

sábado, 7 de março de 2009

U2 na Fordham

Acho que nunca vos falei da minha universidade. Chama-se Fordham University e tem três campos universitários, um deles situado no bem conhecido bairro de NY chamado Bronx. Como muitos saberão, melhor do que eu, os U2 estão a lançar um novo trabalho. Ontem, bem cedo, integrado num programa televisivo Good Morning America, eles actuaram lá, em frente ao edifício onde eu tenho aulas. Espectáculo grátis, só para alunos da Universidade. Uns 5000.
Sortudo? Um pouco!!
Ao lado, deixo alguns vídeos.

segunda-feira, 2 de março de 2009

A Cidade dos Poços

Encontrei este texto por acaso. Para mim, (como talvez para alguns de vocês) ele traz à lembrança uma montagem de slides muitas vezes usada em encontros de reflexão e meditação. O país dos poços! Mas havia outras: Ponte ou muro! A Árvore que sabia dar-se! Para não falar n'O Ponto!! Bons tempos! Basta deixar a memórias voar por uns instantes e lá vêm inúmeras recordações de momentos muito bem passados. Aqui fica esta partilha, também como possível ajuda para o tempo da Quaresma que estamos a iniciar.

Aquela cidade não era habitada por pessoas, como todas as outras cidades do planeta.
Aquela cidade era habitada por poços. Poços vivos… mas afinal poços.
Os poços distinguiam-se entre si não somente pelo lugar onde estavam escavados, mas também pelo parapeito (a abertura que os ligava ao exterior).Havia poços ricos e ostensivos com parapeitos de mármore e metais preciosos; poços humildes de tijolo e madeira, e outros mais pobres, simples buracos rasos que se abriam na terra.
A comunicação entre os habitantes da cidade fazia-se de parapeito em parapeito, e as notícias corriam rapidamente de ponta a ponta do povoado.
Um dia, chegou à cidade uma «moda» que certamente tinha nascido nalgum pequeno povoado humano.
A nova ideia assinalava que qualquer ser vivo que se prezasse deveria cuidar muito mais do interior do que do exterior. O importante não era o superficial, mas o conteúdo.
Foi assim que os poços começaram a encher-se de coisas.
Alguns enchiam-se de jóias, moedas de ouro e pedras preciosas. Outros, mais práticos, encheram-se de electrodomésticos e aparelhos mecânicos. Outros ainda optaram pela arte, e foram-se enchendo de pinturas, pianos de cauda e sofisticadas esculturas pós-modernas. Finalmente, os intelectuais encheram-se de livros, de manifestos ideológicos e de revistas especializadas.
O tempo passou.
A maioria dos poços encheu-se a tal ponto que já não podia conter mais nada.
Os poços não eram todos iguais, por isso, embora alguns se tenham conformado, outros pensaram no que teriam de fazer para continuar a meter coisas no seu interior…
Um deles foi o primeiro. Em vez de apertar o conteúdo, lembrou-se de aumentar a sua capacidade alargando-se.
Não passou muito tempo até que a ideia começasse a ser imitada. Todos os poços utilizavam grande parte das suas energias a alargar-se para criarem mais espaço no seu interior. Um poço, pequeno e afastado do centro da cidade, começou a ver os seus colegas que se alargavam desmedidamente. Ele pensou que se continuassem a alargar-se daquela maneira, dentro em pouco confundir-se-iam os parapeitos dos vários poços e cada um perderia a sua identidade…
Talvez a partir dessa ideia, ocorreu-lhe que outra maneira de aumentar a sua capacidade seria crescer, mas não em largura, antes em profundidade. Fazer-se mais fundo em vez de mais largo. Depressa se deu conta de que tudo o que tinha dentro dele lhe impedia a tarefa de aprofundar. Se quisesse ser mais profundo, seria necessário esvaziar-se de todo o conteúdo…
A princípio teve medo do vazio. Mas, quando viu que não havia outra possibilidade, depressa meteu mãos à obra.
Vazio de posses, o poço começou a tornar-se profundo, enquanto os outros se apoderavam das coisas das quais ele se tinha despojado…
Um dia, algo surpreendeu o poço que crescia para dentro. Dentro, muito no interior e muito no fundo… encontrou água!
Nunca antes nenhum outro poço tinha encontrado água.
O poço venceu a sua surpresa e começou a brincar com a água do fundo, humedecendo as suas paredes, salpicando o seu parapeito e, por último, atirando a água para fora.
A cidade nunca tinha sido regada a não ser pela chuva, que na verdade era bastante escassa. Por isso, a terra que estava à volta do poço, revitalizada pela água, começou a despertar.
As sementes das suas entranhas brotaram em forma de erva, de trevos, de flores e de hastezinhas delicadas que depois se transformaram em árvores…
A vida explodiu em cores à volta do poço afastado, ao qual começaram a chamar «o Vergel».
Todos lhe perguntavam como tinha conseguido aquele milagre.
— Não é nenhum milagre — respondeu o Vergel. — Deve procurar-se no interior, até ao fundo.
Muitos quiseram seguir o exemplo do Vergel, mas aborreceram-se da ideia quando se deram conta de que para serem mais profundos, se tinham de esvaziar. Continuaram a encher-se cada vez mais de coisas…
No outro extremo da cidade, outro poço decidiu correr também o risco de se esvaziar…
E também começou a escavar…
E também chegou à água…
E também salpicou até ao exterior criando um segundo oásis verde no povoado…
— Que vais fazer quando a água acabar? — perguntavam-lhe.
— Não sei o que se passará — respondia ele. — Mas, por agora, quanto mais água tiro, mais água há.
Passaram-se uns meses antes da grande descoberta.
Um dia, quase por acaso, os dois poços deram-se conta de que a água que tinham encontrado no fundo de si próprios era a mesma…
Que o mesmo rio subterrâneo que passava por um inundava a profundidade do outro.
Deram-se conta de que se abria para eles uma vida nova.
Não somente podiam comunicar um com o outro de parapeito em parapeito, superficialmente, como todos os outros, mas a busca também os tinha feito descobrir um novo e secreto ponto de contacto.
Tinham descoberto a comunicação profunda que somente conseguem aqueles que têm a coragem de se esvaziar de conteúdos e procurar no fundo do seu ser o que têm para dar…

Jorge Bucay, Contos para pensar, Cascais,
Editora Pergaminho, 2004